domingo, 30 de outubro de 2011

As religiões e o enigma da morte


"O Reino de Cristo é o reino da vida em abundância, celebrado na Eucaristia, o grande memorial de sua morte, mas, sobretudo, de sua vida em favor de todos". A morte é uma das questões fundamentais da vida humana. O grande mistério que nos ronda e que dá sentido a nossa vida. A morte não diz respeito apenas ao fim físico, mas a possibilidade do nada existencial. Os grandes filósofos como Sócrates, Epicuro, Schopenhauer, também se dedicaram à reflexão sobre a morte, mas nem sempre de forma unânime. Todas as religiões têm alguma explicação para o fato da morte e dela tiram ensinamentos morais e espirituais. As religiões primitivas sempre viram a morte como uma porta de entrada para a dimensão espiritual. Isso é patente na religião dos antepassados na China, nos xamanismos, nas religiões animistas etc. Na Índia, é evidente o reconhecimento de uma vida pós-morte na ideia de transmigração e reencarnação (Hinduísmo), apesar de o Budismo propor a cessação das encarnações (Samsara) através da iluminação e do Nirvana. Entre as religiões orientais destaca-se a do Egito antigo, que criou todo um cerimonial e uma arquitetura sobre a morte, como vemos no “Livro dos Mortos” e nas Pirâmides. O culto aos mortos sempre fez parte da religião egípcia, a crença na vida pós-morte é algo característico em sua religião, prova disso é o mito de Isis e Osíris. Entre os gregos, a morte é vista como uma passagem para o mundo das sombras, o Hades. Hermes era o deus conhecido como psicopompo, aquele que conduzia as almas ao mundo dos mortos. Os gregos fizeram da morte um grande tema de suas tragédias, como a Antígona, na qual a personagem procura garantir o direito às honras fúnebres de seu irmão. Por culpa do rei, que o considerava inimigo, Antígona enfrenta as leis humanas em nome de um direito anterior e divino que garante a seu irmão uma morte digna e funerais. O Judaísmo, por sua vez, encara a morte como fruto da desobediência ao mandamento divino. A morte é fruto do pecado. Segundo o relato do Gênesis (cap.3), era permitido comer de todos os frutos do paraíso, exceto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Caso dela comessem, morreriam. A serpente conseguiu, então, seduzir Eva, e ela comeu e ofereceu a Adão. Assim, em Eva e Adão todos pecaram e tiveram como pagamento a morte (Rm 5,12) e, com isso, fomos privados da árvore da vida (Gen cap.3, 22). Tal texto, que parece fábula infantil, na verdade revela a compreensão mítica da condição humana, a qual sem a referência ao Absoluto torna-se incapaz de encontrar critérios para o agir. O conhecimento, por si mesmo, segundo o mito do Gênesis, não dá conta de orientar nossas ações – na verdade, nos conduz à “hybris” e à morte, ao orgulho e prepotência de ser auto-suficiente. Alguns textos do Antigo Testamento transparecem uma visão pessimista da vida e apontam para a morte como fim. Como exemplo disso podemos citar o livro de Jó e o Eclesiastes (cap.1).Para o Cristianismo, o sacrifício de Cristo vence a morte na medida em que sua ressurreição é o sinal de sua vitória. Segundo a liturgia cristã, o batismo e a eucaristia são como que uma forma de morte ritual, na qual somos mortos com Cristo para depois ressuscitarmos com ele (1Cor 11,17-34). Paulo deixa claro que a ressurreição de Cristo é o cerne de nossa fé, sem a qual esta é vã (1Cor 15,17). A morte finalmente foi vencida em Cristo e todos somos herdeiros dele (Ap 1, 9-20). O Reino de Deus é, pois, o reino onde, no lugar da fome, temos a partilha, no lugar do assassinato de crianças (aborto) teremos a vida dos inocentes, no lugar da miséria teremos a solidariedade, no lugar da violência, o amor ao próximo, no lugar da corrupção política teremos o poder como serviço a todos. Enfim, o Reino de Cristo é o reino da vida em abundância, de vida plena, celebrado na Eucaristia, o grande memorial de sua morte, mas, sobretudo, de sua vida em favor de todos.
 
Francisco José da Silva, professor de Filosofia da Universidade Federal do Ceará.
Fonte opovo online

Nenhum comentário:

Postar um comentário